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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Entre os ponteiros do relógio




















Ninguém sabia o quanto era difícil.
Eu sei, meu fardo não era o maior do mundo, ou o mais pesado, mas ele era o suficiente para ocupar todas as minhas costas.
Sabemos que toda a vida se finda com o encontro com a morte, porém eu era lembrada daquilo constantemente pela infeliz doença alojada dentro de mim, que traziam consigo sintomas tão desagradáveis que vez ou outra faziam com que eu desejasse que o sopro da vida me abandonasse de vez.
A morte curaria todas as minhas dores, em contrapartida levaria com ela todos os meus sonhos...
Eu havia vivido tão pouco!
Sonhava ainda em ter minha casa, comprar um cachorro e criar um filho que teria duas mães. Ainda queria colorias meu cabelo com tantas outras cores...
Eu queria viver! Viver e realizar tudo aquilo que sonhei, mas a cada crise eu me convencia: Não havia tempo. E cada volta do ponteiro era como uma gota de vida se esvaindo de mim...
Decidi correr contra o relógio e viver enquanto ainda me restava tempo. Vivi intensamente.
Porém, ao me opor contra o tempo eu acabei me matando aos poucos.
Na verdade, cometemos suicídio toda vez que fazemos algo com a plena consciência que aquilo ira nós fazer mal.
Na verdade, cometemos suicídio todo os dias nesse mundo louco e ainda assim permanecemos vivos...
Meu estilo de vida intenso e desregrado era prova disso, estava a cavar a minha própria sepultura fazendo aquilo que os corações aflitos que me rodeavam me aconselhavam tanto a não fazer, mas acredito que isso seja normal hoje em dia, ou vai me dizer que você não se matou um pouco hoje?

Eu não me importava com nada e fazia tudo que queria fazer.
" Vou morrer mesmo!" Sempre dizia para aqueles que iam contra as minhas vontades.
Nenhum deles sabia a dor que era carregar aquilo dentro de mim.
Acredito que tomava em um único dia a quantidade de remédios que uma pessoa normal tomaria por toda a vida.
Eu estava cansada e as quatorze vezes que vi as flores renascerem com o sopro da primavera não foram o suficiente para que eu tivesse fé em dias melhores.
Ninguém sabia o quanto era difícil e por isso eu não admitia ser contrariada.
- Eu vou morrer mesmo! - Disparei contra aquele garoto que tentou me impedir de tomar um copo de refrigerante.
Alias, quem era aquele garoto?
Havia conhecido ele há apenas poucos minutos, porque ele se importava?
Percebo que nem me recordava do seu nome, mas me lembro bem dos seus grandes olhos castanhos e da pergunta que ele fez mediante a minha tradicional frase:
- E por isso você quer adiantar o processo?
Aquela pergunta me pegou desprevenida e o seu olhar me incomodou. Ele parecia encarar a minha alma.
O donos daqueles grandes olhos lançou pequenas frases que destruíram pouco a pouco todos os meus discursos criados para justificar minhas ações levianas.
Fui desarmada e acabei bebendo um suco. O cara era um saco, mas reconheço que ele queria meu bem, mesmo sem me conhecer, assim como todos os outros que conheceram minha historia naquela noite.
Contudo, outra dia amanheceu e a convicção que não restava muito tempo se fez novamente em minha mente e assim embriaguei-me com o resto de refrigerante escondido dentro da minha sapateira, satisfeita por ninguém poder me impedir.
Sem saber eu que aquele garoto carregava consigo outra convicção: Sempre é tempo.
Sempre é tempo para lutar por aquilo que se deseja. Não havia feito muito com o tempo que tive.
Lembro de uma das perguntas que ele me fez naquela noite:
- Você quer viver?
E naquele momento, deitada sobre aquela cama, sentia minha vida equilibrada em um daqueles ponteiros do relógio que me encarava e gritei para mim mesma: Eu quero viver!
Desejando que ainda me restasse um pouco de tempo, fé e esperança.

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